A indústria de publicidade digital passa por um primeiro semestre turbulento, mas transformador, em 2024

Os primeiros seis meses de 2024 não têm sido nada tranquilos para a indústria da publicidade digital. Entre as mudanças nos prazos para a eliminação das third-party cookies, a inquietação dos profissionais em relação ao mercado programático, o crescente interesse das empresas de IA nos meios de comunicação e as turbulências internas nas estruturas de liderança dos publishers, o primeiro semestre do ano passou a voar. No entanto, isso não significa que as coisas não tenham melhorado em comparação com 2023. Agora que estamos no meio de 2024, vamos rever os principais marcos que marcaram estes primeiros seis meses.

Mudanças no calendário do fim das cookies

Em janeiro, parecia que a Google estava a avançar seriamente nos seus planos de eliminação das third-party cookies ao removê-las de 1% do tráfego do seu navegador Chrome. No entanto, em abril, o gigante tecnológico reviu o seu cronograma, adiando a eliminação completa para uma data indefinida. Apesar disso, vários publishers continuaram a testar as suas estratégias de targeting sem cookies, reportando resultados positivos como um aumento de 40-200% nos CPMs quando estavam presentes IDs determinísticos (como Unified ID 2.0, RampID, ConnectedID e ID5) no bidstream, em comparação com as taxas de CPM de utilizadores não registados.

The Trade Desk e a aposta no 'Internet Premium'

The Trade Desk gerou preocupação entre os publishers devido à possível perda de receitas por causa de mudanças no targeting publicitário. O CEO da The Trade Desk, Jeff Green, delineou uma diferença entre anúncios fraudulentos e de baixa qualidade e o "internet premium", que utiliza first-party data e consentimento do utilizador. Os publishers temem que a The Trade Desk retire o seu investimento a favor daqueles com melhor recolha de dados de utilizadores, através da sua ferramenta UID 2.0, que requer e-mails encriptados.

Muitos publishers têm dificuldades em recolher e-mails suficientes e são relutantes em apoiar o UID 2.0, pois isso poderia enfraquecer os seus próprios esforços de recolha de dados. Além disso, o UID 2.0 implica a partilha de dados com a The Trade Desk, o que alguns publishers consideram minar o seu controlo.

A The Trade Desk considera estas preocupações exageradas, afirmando que só é necessária uma pequena proporção de reach autenticado para alcançar um impacto significativo. Propuseram o OpenPass, uma solução de início de sessão único para ajudar os publishers a obter mais e-mails verificados através de recompensas.

A The Trade Desk insiste que a autenticação de utilizadores é crucial para o sucesso num ambiente sem third-party cookies, mas muitos publishers veem esta mudança como uma ameaça ao seu controlo sobre os dados e as receitas publicitárias. A empresa tem-se focado em áreas como CTV e Retail Media, onde a recolha de e-mails é mais simples, enquanto os publishers têm de se adaptar a esta nova realidade.

O escândalo da Forbes e MFA

A obsessão do lado da compra com os sites made-for-arbitrage (MFA) transitou de 2023 para a primeira metade de 2024. Em abril, a Forbes foi acusada pelo fornecedor de transparência publicitária Adalytics de operar intencionalmente um subdomínio MFA durante anos e servir anúncios nesse subdomínio sem que os seus anunciantes soubessem. Este foi apenas um capítulo na saga de desconfiança no mercado programático, e outros relatórios sugerem que podem estar a ocorrer mais irregularidades na cadeia de ofertas sem que o lado da compra esteja ciente.

Criteo vs. Privacy Sandbox

A Criteo realizou testes nas suas campanhas publicitárias e inventário para avaliar o impacto do Privacy Sandbox, revelando que a versão atual não atinge o objetivo da Google de limitar a perda de receitas dos publishers a um máximo de 5%. As conclusões da Criteo, apoiadas por outros parceiros como Raptive, indicam que o Privacy Sandbox ainda não é uma alternativa viável às cookies e necessita de melhorias significativas.

Após a investigação da CMA do Reino Unido, a Google assumiu compromissos para responder às suas preocupações, mas segundo a Criteo, a versão atual do Privacy Sandbox não cumpre estes compromissos. Se as third-party cookies fossem eliminadas hoje, os publishers perderiam uma média de 60% das suas receitas provenientes do Chrome.

A Criteo instou a Google e a CMA a cumprir as promessas sobre o Privacy Sandbox e propôs funções essenciais para melhorar o desempenho e minimizar o impacto negativo nas receitas publicitárias dos publishers. Estas recomendações incluem melhorias no desempenho, qualificação da audiência, funcionalidades críticas e otimizações de governança. A Criteo apoia a decisão da Google e da CMA de adiar a eliminação das cookies até 2025 e continuará a defender as necessidades dos seus parceiros e clientes em vários grupos de trabalho e associações comerciais.

Fecho da Oracle Ads

A Oracle decidiu fechar o seu negócio de publicidade após uma queda significativa nas suas receitas, que passaram de 2 mil milhões de dólares em 2022 para apenas 300 milhões de dólares no último ano fiscal. Apesar de investir mais de 4 mil milhões de dólares em aquisições para competir no mercado publicitário, a Oracle não conseguiu adaptar-se às normativas de privacidade e enfrentar a concorrência.

As aquisições-chave incluíram BlueKai, Datalogix e Moat, mas a empresa enfrentou desafios após o escândalo da Cambridge Analytica e a implementação do GDPR na Europa, que afetaram as suas operações e produtos. Além disso, a concorrência da Salesforce e da Adobe, juntamente com a falta de investimento em produtos-chave, resultaram numa reorganização massiva e despedimentos em 2022.

A CEO da Oracle, Safra Catz, anunciou a decisão sem fornecer detalhes sobre o destino dos ativos publicitários ou dos clientes atuais. Este fecho reflete os desafios na indústria publicitária digital, marcada pela crescente importância da privacidade e pela concorrência feroz.

A UE aprova a ‘Lei de Inteligência Artificial’

Outro marco deste primeiro semestre foi a aprovação da Lei de Inteligência Artificial por parte da Comissão Europeia, unificando as regras sobre IA na Europa com um enfoque baseado no risco. A normativa promove sistemas de IA seguros e fiáveis, assegurando o respeito pelos direitos fundamentais e fomentando o investimento e a inovação em IA. Exclui aplicações militares e de defesa.

A lei classifica os sistemas de IA conforme o seu nível de risco, com obrigações mais rigorosas para sistemas de alto risco e a proibição de certos usos prejudiciais como a manipulação cognitiva e a pontuação social. Regula os modelos de IA de propósito geral (GPAI) conforme o seu risco.

Para a sua implementação, serão criados vários órgãos de governação, incluindo um gabinete dedicado à IA dentro da Comissão Europeia, um painel de peritos independentes, uma junta de IA com representantes dos estados membros e um fórum consultivo.

As infrações serão penalizadas com multas baseadas no volume de negócios anual global da empresa infratora. A lei exige avaliações de impacto e maior transparência para sistemas de alto risco, que deverão ser registados na base de dados da UE. Também promove ambientes regulatórios de testes controlados ("sandbox regulatórios de IA").

A lei foi publicada no Jornal Oficial da UE e entrou em vigor vinte dias depois, aplicando-se plenamente dois anos após essa data. Esta normativa representa um avanço rumo a um uso seguro e transparente da IA, protegendo os direitos dos cidadãos e promovendo a inovação.

Acordos de licença de IA e ações judiciais

Também nesta primeira metade do ano, muitos publishers assinaram novos acordos de licença de conteúdo e desenvolvimento tecnológico com empresas de IA, incluindo Vox Media, The Atlantic, Dotdash Meredith e a empresa-mãe do The Wall Street Journal (WSJ), News Corp. Embora os termos destes acordos se mantenham em segredo, sabe-se que os publishers conseguiram assegurar uma rápida injeção de capital. Alguns acordos foram ainda mais lucrativos, com o WSJ a informar em maio que o acordo da News Corp com a OpenAI estava avaliado em até 250 milhões de dólares durante cinco anos. No entanto, nem todos os publishers foram persuadidos por cheques desse tamanho, como a The New York Times Co, que investiu 1 milhão de dólares na sua operação legal contra a OpenAI.

A primeira metade de 2024 tem sido um período tumultuoso mas também transformador para a indústria da publicidade digital. Apesar dos desafios significativos, como os atrasos na eliminação das third-party cookies e os escândalos de desconfiança no mercado programático, a indústria mostrou resiliência e capacidade de adaptação. Os acordos estratégicos com empresas de IA e as reestruturações internas refletem um esforço contínuo por evoluir e enfrentar as novas realidades do mercado. À medida que avançamos para a segunda metade do ano, fica claro que a capacidade de inovação e a busca de novas oportunidades serão cruciais para navegar neste ambiente em constante mudança.