Google inicia a sua defesa no processo anti-monopólio dos Estados Unidos
Na terceira semana do julgamento anti-monopólio, a Google iniciou a sua defesa numa tentativa de desmontar as acusações de práticas anticompetitivas no setor AdTech. A empresa, acusada pelo Departamento de Justiça (DOJ) de dominar injustamente o mercado de publicidade digital, está a tentar demonstrar que opera num ambiente competitivo e que a sua presença no mercado não constitui um monopólio
Uma das primeiras testemunhas da Google foi Kendall Oliphant, Chief of Contract Programs for Communications do Gabinete do Censo, que revelou que a agência federal investiu 364 milhões de dólares em anúncios digitais para o Censo de 2020 e na contratação de funcionários temporários para a mesma operação. Embora Oliphant tenha admitido não ser especialista em adtech, afirmou que, como anunciante, não é necessário conhecer os detalhes técnicos dos ad servers e da tecnologia do lado da oferta. Segundo AdExchanger, este ponto faz parte da estratégia da Google para demonstrar que os anunciantes não diferenciam entre os diversos canais publicitários e que os orçamentos das campanhas são ajustados livremente entre formatos como display, vídeo e e-mail, de acordo com o desempenho.
O núcleo da defesa do Google é argumentar que o mercado de publicidade digital é muito mais amplo do que apenas os anúncios display na web aberta, o que lhe permitiria provar que existe uma concorrência considerável de outras plataformas, como o Facebook, a Amazon e outras redes de publicidade digital. Ao ampliar a definição do mercado, a Google procura enfraquecer as alegações de que exerce um controlo monopolista sobre o ecossistema publicitário. Desta forma, a empresa espera afastar as acusações de que manteve artificialmente altas as taxas de participação nos rendimentos, como sustenta o processo.
A agenda do julgamento e o objetivo de uma resolução antes do final do ano
A juíza Leonie Brinkema, responsável pelo caso, estabeleceu um prazo ambicioso para acelerar o julgamento, afirmando que o seu objetivo é emitir uma resolução final até dezembro deste ano. Segundo o novo calendário, a Google apresentará a sua última testemunha-chave, um perito que testemunhará sobre a definição do mercado no contexto publicitário. Por sua vez, o Departamento de Justiça poderá iniciar o seu contra-interrogatório na sexta-feira, com a possibilidade de o julgamento terminar nesse dia, se a réplica não se prolongar. As partes terão até 4 de novembro para apresentar as suas conclusões finais por escrito, que serão seguidas por argumentos orais no final de novembro ou início de dezembro.
Este prazo apertado faz parte do esforço da juíza para resolver um dos casos antitrust mais complexos da era digital, centrado na forma como os mercados são definidos e operam na indústria de adtech, que movimenta milhares de milhões de dólares anualmente.
Testemunho da professora Judith Chevalier
Um dos momentos chave da defesa do Google foi o testemunho da professora Judith Chevalier, perita da Universidade de Yale, que refutou a análise apresentada pelo perito do DOJ, o professor Simcoe, sobre as taxas de participação nos rendimentos da plataforma publicitária do Google, AdX. Simcoe tinha argumentado que a taxa de participação da AdX, atualmente situada em 19,8%, deveria ser reduzida para 16,4% sem os supostos laços monopolistas do Google. No entanto, Chevalier questionou esta análise, afirmando que focar-se apenas na AdX é incorreto. Em vez disso, explicou que deve ser considerada a participação total nos rendimentos tanto no lado da compra como no da venda, o que chamou de "Full Stack Revenue Share".
A professora Chevalier também destacou que Simcoe utilizou uma abordagem de “comparáveis” na sua análise, comparando a taxa de participação da AdX com a de outros ad exchanges. Embora a AdX estivesse acima da média, Chevalier destacou que a maioria dos exchanges também superava a média e que um dos exchanges, provavelmente a AppNexus, reduziu a média com taxas consistentemente baixas.
Testemunhos adicionais: Courtney Caldwell e Adam Stewart
Outro testemunho importante foi o de Courtney Caldwell, CEO da ShearShare, uma plataforma que permite aos estilistas alugar instalações a curto prazo, conhecida como "Hair BnB". Caldwell foi uma testemunha carismática que elogiou os serviços do Google Ads, afirmando que não lhe importa o formato publicitário, desde que as suas campanhas funcionem, e acrescentou que a sua empresa também utiliza plataformas como TikTok e Meta. Este testemunho ajudou a sublinhar o argumento do Google de que os anunciantes utilizam várias plataformas e não estão confinados a um único fornecedor.
Adam Stewart, VP da Google, também prestou depoimento, repetindo muitos dos pontos chave que a defesa do Google tem vindo a levantar ao longo do julgamento. Stewart sublinhou que a Google enfrenta uma forte concorrência de empresas como o Facebook, a Amazon e a Criteo, e revelou que 10% dos clientes da Google Display Network (GDN) representam 70% do investimento total na plataforma. Além disso, salientou que o Google desenvolveu o tipo de campanha "Demand Gen" no Google Ads para competir diretamente com as redes sociais.
Durante o seu testemunho, Stewart também apresentou um documento interno da Google que avaliava a concorrência da The Trade Desk. Nesse documento, a Google identificava os fatores que poderiam levar os anunciantes a transferir o seu investimento para a The Trade Desk, destacando identidade e CTV como as principais razões competitivas.
O que está em jogo?
Este julgamento representa um desafio significativo para o Google e pode ter amplas implicações para o mercado de publicidade digital. Se a decisão favorecer o DOJ, a empresa pode ser obrigada a fazer alterações profundas no seu modelo de negócio, o que afetaria não só a Google, mas também a forma como as plataformas publicitárias operam em todo o mundo. No entanto, se a Google conseguir demonstrar que opera num ambiente competitivo e que não praticou ações monopolistas, isso poderia reforçar a sua posição como um dos principais intervenientes no mercado digital global.
Com o julgamento a aproximar-se do fim, a indústria tecnológica acompanha de perto cada testemunho e documento apresentado, consciente de que a resolução deste caso poderá redefinir as regras do jogo no ecossistema publicitário.