Entrevista a André Folque da VML sobre o futuro do E-Commerce Marketing em Portugal
1. Como defines o estado atual do E-Commerce Marketing e Performance?
O Commerce Marketing em Portugal está a ganhar maturidade, mas ainda enfrentamos alguns desafios estruturais que limitam a sua evolução comparativamente a outros mercados mais desenvolvidos. Do ponto de vista de Retail Media, a ausência de alguns grandes players globais no nosso país (como a Amazon) tem tido um efeito dissuasivo do ponto de vista de investimento por parte das marcas e tem restringido a rápida adoção de práticas e tecnologias capazes de nos colocar na linha da frente da inovação nesta área. Este cenário criou uma oportunidade para os players locais, que têm desenvolvido soluções altamente adaptadas à realidade do nosso mercado. Do lado das marcas tem havido também um esforço na criação de soluções e plataformas D2C, alternativos à oferta dos grandes marketplaces.
Neste contexto, as agências têm desempenhado também um papel crucial, não só na vertente de estratégia e consultoria, mas também como parceiras do ponto de vista tecnológico e de desenvolvimento. No grupo WPP temos desenvolvido esforços globais de capacitação nestas áreas e Portugal não tem sido excepção. Criámos um centro de excelência global da VML no nosso país, focado em soluções de Commerce. Este hub combina talento nacional e internacional e oferece serviços end-to-end e escaláveis a marcas em diversos mercados globais. Esta abordagem demonstra que, apesar de limitações no contexto local, é possível exportar inovação e conhecimento, posicionando Portugal no panorama global de Commerce.
2. Que tendências vês a moldar o futuro do Marketing de Comércio nos próximos 2–3 anos?
Do ponto de vista de touchpoints, fenómenos como o social commerce ou a utilização de marketing de influência para geração de vendas nos canais digitais continuarão a expandir-se, aproveitando as redes sociais como hubs de descoberta, engagement e conversão, integrando storytelling com transações diretas.
Mas na minha opinião, as principais alterações serão potenciadas essencialmente pelos avanços no campo tecnológico, que poderão alterar ainda mais profundamente as expectativas dos consumidores na interação com as marcas. A Inteligência Artificial (IA) continuará a ser uma força motriz, e trará novas oportunidades para as marcas na otimização de experiências em tempo real, prevendo comportamentos de compra e otimizando campanhas com maior precisão.
Outro elemento chave será o uso cada vez mais estratégico dos dados, não só na vertente de segmentação e criação de audiências em paid media, mas também na criação de experiências personalizadas ao nível dos canais de venda. Os consumidores esperam cada vez mais interações relevantes com as marcas, e o uso de dados 1st party, combinado com insights mais amplos, permitirá às marcas otimizar todas as interações e, no final do dia, maximizar vendas.
Indo um pouco mais a fundo na vertente tecnológica, conceitos como o headless commerce (separação entre o front-end ou storefront e o back-end de dados) permitirão às marcas criarem experiências flexíveis e integradas, de forma ágil e que coloquem o foco no cliente em qualquer ponto de contacto.
Estas tendências exigem que as marcas invistam em infraestruturas tecnológicas, capacitação das suas equipas e parcerias estratégicas que possam facilitar esta transformação
3. Qual é o equilíbrio entre a construção de marca a longo prazo com os objetivos de performance a curto prazo?
Esta é uma das discussões estratégicas mais antigas da nossa indústria e que se reveste de uma importância ainda maior com o crescimento do e-commerce.
À medida que o e-commerce cresce, a distinção entre branding e performance torna-se menos clara. A jornada de decisão do consumidor deixou de ser linear para se tornar circular e fragmentada, com interações em múltiplos pontos e momentos a influenciar a decisão de compra. Isto implica que cada interação – seja de topo, meio ou fundo de funil – deve ser medida e otimizada, ajustando os KPIs para refletir os objetivos de cada etapa.
Na minha opinião, não podemos nem devemos ver o branding e a performance como opostos, mas sim como partes interdependentes de um ecossistema. Devemos ser capazes de desconstruir esta narrativa instituída que coloca as duas abordagens uma contra a outra. Porque uma marca forte sustenta vendas contínuas, enquanto campanhas de performance também podem ser eficazes a alimentar a narrativa da marca. O equilíbrio está nesta abordagem integrada, que é crítica para as empresas que desejam construir relacionamentos duradouros com os consumidores enquanto maximizam o retorno a curto prazo. Não existem fórmulas secretas nem “silver bullets” neste tópico. Testar e otimizar, tendo em conta os objetivos de comunicação e de negócio de cada marca: este é o ponto de partida.
4. Qual o papel dos dados na definição das estratégias de Commerce Marketing?
Os dados são dos ativos estratégicos mais importantes em Commerce, permitindo às marcas não só compreender melhor os seus consumidores, mas também antecipar tendências e comportamentos. A 1st party data, recolhida diretamente das interações com os consumidores, é fundamental para gerar insights acionáveis, construir segmentações precisas e criar experiências altamente personalizadas.
O valor dos dados vai muito além de campanhas de aquisição. Dados de clientes fidelizados são a base para a construção de programas de loyalty eficazes, permitindo às marcas trabalhar retenção, e aumento do retorno por utilizador. A análise destes dados permite às marcas detetarem tendências e preverem comportamentos futuros dos consumidores, estando muito mais preparadas para atuar de forma pró-ativa em estratégias de retenção ou captação de novo negócio.
O desafio, e a oportunidade, está em integrar estes dados de forma eficaz em todas as áreas de decisão, desde a comunicação até à experiência nos pontos de venda (físicos ou digitais). Marcas que dominem a recolha, análise e a utilização de dados (de forma ética), estarão melhor posicionadas para criar vantagens competitivas a longo prazo.
5. Qual é a tua perspetiva sobre o uso de IA e aprendizagem automática no Marketing e performance marketing?
A inteligência artificial e o machine learning oferecem às marcas a capacidade de otimizar os esforços de marketing em tempo real, ajustando mensagens, orçamentos e canais com base na análise de dados. Este nível de agilidade é fundamental num mercado cada vez mais competitivo.
Mais especificamente, no domínio da criatividade, a IA está a revolucionar o design de campanhas, ao permitir a criação e teste de criatividades dinâmicas, ajustadas a diferentes audiências e contextos.
Ferramentas baseadas em IA também possibilitam a análise de volumes massivos de dados de performance, oferecendo insights acionáveis que informam decisões estratégicas mais precisas.
Paralelamente, a automação alimentada por IA está a transformar operações de marketing, reduzindo custos operacionais e permitindo que as equipas se concentrem em iniciativas de maior valor.
Num contexto de volume crescente de dados onde as marcas têm dificuldade para tirar o maior partido deste volume, a tecnologia baseada em IA não é apenas uma vantagem competitiva, mas uma necessidade estratégica.
6. Que papel tem a criatividade na efetividade da comunicação da marca?
A criatividade é o pilar fundamental da comunicação eficaz de uma marca. Num mundo cada vez mais fragmentado onde as audiências são expostas a milhares de mensagens e estímulos diariamente, a capacidade de captar atenção e criar conexões emocionais reside na força da ideia criativa.
A tecnologia e os dados ampliam o impacto das campanhas, ao permitir segmentações mais precisas e interações personalizadas, mas a criatividade continua a ser o elemento que humaniza a comunicação. Sem uma ideia relevante e cativante, nenhuma campanha, por mais sofisticada que seja tecnicamente, alcança o seu verdadeiro potencial.
A criatividade é a peça essencial que dá vida e corpo a uma marca. Quando aliada à tecnologia, ela permite às marcas comunicar de forma eficaz, emocional e memorável, garantindo não apenas alcance, mas também relevância.
7. Como navegar em questões relacionadas com privacidade e segurança de dados no marketing de performance?
O tema da privacidade deve estar no centro das preocupações das marcas que operam num ambiente digital. A crescente sensibilidade dos consumidores sobre o uso dos seus dados, combinada com a regulamentação mais recente, exige que as empresas adotem uma abordagem ética e transparente na recolha e utilização de informações.
Ferramentas como plataformas de gestão de consentimento (CMPs) são indispensáveis para assegurar que os consumidores têm controlo sobre os seus dados e que as marcas cumprem as exigências legais. Contudo, a verdadeira diferenciação reside na forma como as marcas conseguem comunicar este compromisso de forma clara, reforçando a confiança do consumidor. Esta confiança é fundamental para que o consumidor queira, de livre vontade, partilhar mais informação com as marcas. E por sua vez, esta informação é fundamental para calibrar todos os esforços de marketing das marcas, principalmente nos canais digitais. A captação de 1st party data é cada vez mais crítica, não apenas para garantir um maior controlo e liberdade na utilização de dados por parte das marcas, mas também para criar um modelo sustentável de recolha de insights, como já referido anteriormente. Este foco permite às marcas construir relações mais próximas e personalizadas com os consumidores, sem depender excessivamente de dados de terceiros.
As marcas que equilibrarem inovação com responsabilidade no tratamento de temas ligados à privacidade dos dados estarão mais bem posicionadas para se movimentarem num ambiente em constante evolução, utilizando a confiança como uma alavanca estratégica para criar valor.